Há quem goste delas curtas, há quem as aprecie mais longas, mas para nós o tamanho não importa, uma história merece sempre ser contada.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

O Inverno e a Aldeia 14

(PRIORITÁRIO)
Aldeia de S. Vicente da Lua, 1 de Novembro do ano de 1951 de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Reparo na data que acabei de escrever e um sorriso triste aflora-me os lábios. O Dia dos Fiéis Defuntos. Ele chegou finalmente e com ele trouxe a desdita. Não tenho dúvidas que estou perante um servo da Besta que com ela trata directamente. Curiosamente ainda não me maltratou. Pelo contrário, tem sido cordial, dentro da imensa maldade que brota dos seus olhos vazios. Não estou preso, não imobilizado. Permite-me que ande pela casa da Igreja livremente mas um coro de vozes sobrepostas invade a minha cabeça assim que coloco pé fora, no adro. O volume e a cólera da sua voz de mil almas condenadas aumenta à medida que me afasto da porta. Ao fim de alguns metros a violência do coro diabólico é tanta que me prostro no chão e rastejo de volta à igreja. Só assim me encontro seguro. É irónico como esta força negra me arrasta para o cativeiro e que este cativeiro é a Casa de Deus. E esta é a prova da força que se apodera de mim. Algo que é capaz de viver dentro da Casa do Senhor.
Sei o que está a fazer ao meu rebanho. Como um lobo, alimenta-se dos meus fieis e outros mata apenas por prazer. Sei-o porque as sombras no seu olhar parecem plantar imagens na minha mente. Vejo as portas abertas com os crucifixos voltados, os corpos mutilados no chão frio de pedra e no meio da rua. Alguns deles aparecem-me a sacudir-se involuntariamente. Sofrem mesmo depois da Ceifeira chegar. Oiço os seus gritos de terror, a sua súplica por uma morte mesericordiosa e rápida, enquanto as suas carnes são rasgadas por eles. Rezam a Deus Pai Todo Poderoso enquanto são consumidos pelo Renegado. É essa a força da fé em Deus que vive nas almas dos meus fiéis. São misteriosos os desígnios do Senhor.
Contudo não tenho medo. Não me cabe a mim questionar os desígnios de Deus. "O Senhor é meu Pastor e nada me faltará". Não tenho medo. Estou pronto para cumprir o meu destino.
"Cordeiro de Deus que tirais o pecado do mundo, tende piedade de nós."
(Folha 1ª do diário do Vigário)

2 comentários:

Ana. disse...

Cheira-me que entre o Júlio e o Padre, a coisa está a compor-se!

;)

Nuvem disse...

Tu andas inspiradíssimo Miguel!!!
Muito bem - até porque os/as fãs agradecem :)
beijocas