Há quem goste delas curtas, há quem as aprecie mais longas, mas para nós o tamanho não importa, uma história merece sempre ser contada.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

O Inverno e a Aldeia 13

(correspondência nunca expedida. Página 1)
Ao meu filho, ainda por nascer.
Querido filho.
Chamo-te filho porque desejo com todo o meu ser que sejas um rapaz! Nada me faria mais feliz que um filho varão que perpetue a linhagem da nossa família. Dizem que ninguém é eterno mas eu digo que serei eterno através dos meus filhos e netos, e dos seus filhos e netos. Porque no leito de morte de um Homem não cabem as riquezas mundanas, só os nossos filhos podem ser a nossa maior riqueza.
Meu querido filho, no momento em que te escrevo estas palavras parto de Lisboa, da Estação de Sta. Apolónia, em direcção a vós, meu filho e minha amada Joana, tua mãe. Sinto as entranhas revolvidas pela ansiedade. Sei da tua existência apenas porque, com o estranho silêncio que chega de S. Vicente, a tia Micas (que sabia já através de conversas entre comadres) me veio dizer que devia procurar a tua mãe. Que ela está grávida! Grávida meu Deus!!
Mas há outra coisa que me alarma: o silêncio... Porque é que todos os nossos conterrâneos em Lisboa deixaram de ter notícias de S. Vicente? Porque é que o comboio deixou de parar no apeadeiro, para onde foram o João Maquinista e o Manuel Pica que sempre guardaram e trabalharam na estação? O filho dos Alvares não mais deu notícias... Sinto que há algo de maléfico que paira sobre S. Vicente e temo pela vossa segurança. A minha jornada começa agora. Amanhã chegarei às Penhas da Saudade e depois percorrerei os 70 km que me separam de vós. Através dos montes. A minha vontade é férrea, irredutível mas serão muitos dias a pé por entre os bosques e as falésias, no terreno dos lobos. Vou preparado o melhor que posso e sei e hoje amaldiçoo o dia em que me fiz doente para não ir à tropa. Deus sabe o que gostaria de ter treinado no meio do mato, as técnicas de sobrevivência e o manuseamento de armas. Sim, estou armado.
Escrever-te-ei todos os dias da minha viagem de reencontro convosco e guardarei as cartas junto ao meu coração.
Se eu perecer rogo a quem encontrar a minha velha carcaça roída pelos animais do monte que as façam chegar ao meu filho. O filho de Júlio e Joana de S. Vicente da Lua.

1 comentário:

Nuvem disse...

O que vale é que a tua veia literária está em brasa Miguel :)
Que seria de mim sem mais um capítulo excelente (como todos) desta novela para ler :)
beijinhos