Há quem goste delas curtas, há quem as aprecie mais longas, mas para nós o tamanho não importa, uma história merece sempre ser contada.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Pausa Criativa.

Os autores deste blog informam os leitores que a história "O Inverno e a Aldeia" será retomada após tertúlia criativa entre os três. Para que leiam histórias com (ainda mais) qualidade!
Passem bem!

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

O Inverno e a Aldeia 14

(PRIORITÁRIO)
Aldeia de S. Vicente da Lua, 1 de Novembro do ano de 1951 de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Reparo na data que acabei de escrever e um sorriso triste aflora-me os lábios. O Dia dos Fiéis Defuntos. Ele chegou finalmente e com ele trouxe a desdita. Não tenho dúvidas que estou perante um servo da Besta que com ela trata directamente. Curiosamente ainda não me maltratou. Pelo contrário, tem sido cordial, dentro da imensa maldade que brota dos seus olhos vazios. Não estou preso, não imobilizado. Permite-me que ande pela casa da Igreja livremente mas um coro de vozes sobrepostas invade a minha cabeça assim que coloco pé fora, no adro. O volume e a cólera da sua voz de mil almas condenadas aumenta à medida que me afasto da porta. Ao fim de alguns metros a violência do coro diabólico é tanta que me prostro no chão e rastejo de volta à igreja. Só assim me encontro seguro. É irónico como esta força negra me arrasta para o cativeiro e que este cativeiro é a Casa de Deus. E esta é a prova da força que se apodera de mim. Algo que é capaz de viver dentro da Casa do Senhor.
Sei o que está a fazer ao meu rebanho. Como um lobo, alimenta-se dos meus fieis e outros mata apenas por prazer. Sei-o porque as sombras no seu olhar parecem plantar imagens na minha mente. Vejo as portas abertas com os crucifixos voltados, os corpos mutilados no chão frio de pedra e no meio da rua. Alguns deles aparecem-me a sacudir-se involuntariamente. Sofrem mesmo depois da Ceifeira chegar. Oiço os seus gritos de terror, a sua súplica por uma morte mesericordiosa e rápida, enquanto as suas carnes são rasgadas por eles. Rezam a Deus Pai Todo Poderoso enquanto são consumidos pelo Renegado. É essa a força da fé em Deus que vive nas almas dos meus fiéis. São misteriosos os desígnios do Senhor.
Contudo não tenho medo. Não me cabe a mim questionar os desígnios de Deus. "O Senhor é meu Pastor e nada me faltará". Não tenho medo. Estou pronto para cumprir o meu destino.
"Cordeiro de Deus que tirais o pecado do mundo, tende piedade de nós."
(Folha 1ª do diário do Vigário)

O Inverno e a Aldeia 13

(correspondência nunca expedida. Página 1)
Ao meu filho, ainda por nascer.
Querido filho.
Chamo-te filho porque desejo com todo o meu ser que sejas um rapaz! Nada me faria mais feliz que um filho varão que perpetue a linhagem da nossa família. Dizem que ninguém é eterno mas eu digo que serei eterno através dos meus filhos e netos, e dos seus filhos e netos. Porque no leito de morte de um Homem não cabem as riquezas mundanas, só os nossos filhos podem ser a nossa maior riqueza.
Meu querido filho, no momento em que te escrevo estas palavras parto de Lisboa, da Estação de Sta. Apolónia, em direcção a vós, meu filho e minha amada Joana, tua mãe. Sinto as entranhas revolvidas pela ansiedade. Sei da tua existência apenas porque, com o estranho silêncio que chega de S. Vicente, a tia Micas (que sabia já através de conversas entre comadres) me veio dizer que devia procurar a tua mãe. Que ela está grávida! Grávida meu Deus!!
Mas há outra coisa que me alarma: o silêncio... Porque é que todos os nossos conterrâneos em Lisboa deixaram de ter notícias de S. Vicente? Porque é que o comboio deixou de parar no apeadeiro, para onde foram o João Maquinista e o Manuel Pica que sempre guardaram e trabalharam na estação? O filho dos Alvares não mais deu notícias... Sinto que há algo de maléfico que paira sobre S. Vicente e temo pela vossa segurança. A minha jornada começa agora. Amanhã chegarei às Penhas da Saudade e depois percorrerei os 70 km que me separam de vós. Através dos montes. A minha vontade é férrea, irredutível mas serão muitos dias a pé por entre os bosques e as falésias, no terreno dos lobos. Vou preparado o melhor que posso e sei e hoje amaldiçoo o dia em que me fiz doente para não ir à tropa. Deus sabe o que gostaria de ter treinado no meio do mato, as técnicas de sobrevivência e o manuseamento de armas. Sim, estou armado.
Escrever-te-ei todos os dias da minha viagem de reencontro convosco e guardarei as cartas junto ao meu coração.
Se eu perecer rogo a quem encontrar a minha velha carcaça roída pelos animais do monte que as façam chegar ao meu filho. O filho de Júlio e Joana de S. Vicente da Lua.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

O Inverno e a Aldeia 12

(Documento nº1, caixa 1, registo de investigação policial)

RELATÓRIO INICIAL DE INVESTIGAÇÃO
LOCAL: Apartamento sito no 4º andar do prédio nº 1 da Marginal de Cascais
IDENTIFICAÇÃO DA VÍTIMA: Maria da Conceição Felismino
DATA: 10 de Outubro de 1973
DESCRIÇÃO DA CENA DO CRIME: trata-se de um apartamento situado no último andar do referido prédio. Constituido por um hall de entrada, uma cozinha, dois quartos, uma sala e varanda que circula toda a área da casa (ver planta em anexo). A vítima foi encontrada pela mulher-a-dias no quarto principal. À chegada o investigador deparou-se com o corpo da vítima deitada, nua, na cama. Não se detectaram sinais de luta. A ordem na arrumação da casa estava aparentemente mantida. Todos os indícios apontam para que o crime tenha sido iniciado e concluído no quarto da vítima.
Há claros sinais de crime passional violento. O corpo encontra-se lateralizado sobre o seu lado direito. O cadáver está muito pálido, houve perda de sangue exuberante mas os lençóis estão praticamente limpos. Existe uma grande mancha na parede que se situa á cabeceira da cama. Presume-se que será sangue com uma substância esbranquiçada que se apresenta em pequenos montículos agarrados á cabeceira de madeira trabalhada da cama. Presume-se que se trata de substância encefálica. O crânio da vítima apresenta-se largamente deformado. Cerca de um terço da calota craneana (á direita) foi, aparentemente, pulverizado e projectado para a cabeceira da cama. Não foi possível encontrar o olho nem a orelha direita da vítima. Presume-se que a causa de morte terá sido traumatismo violento com objecto rombo. As bordas da ferida mostram pequenos sulcos no osso exposto que fazem presumir um objecto serrilhado. A averiguar pela medicina forense. Nos flancos da vítima surgem pequenos sulcos paralelos espaçados em cerca de 3 cm entre eles (em grupos de 5) com uma profundidade de cerca de 1 cm. Feitos post-mortem. A vítima apresenta ainda fracturas dos ossos dos braços e pernas, que se encontram colocados em ângulos anatomicamente impossíveis.
As janelas da varanda encontram-se fechadas por dentro à chegada do investigador. Não há sinais de violação. Aguarda-se por mais dados forenses.
Conclusão: crime de homicídio voluntário e premeditado com uso de violência extrema e mutilação do corpo post-mortem, presume-se que de causa passional. Ainda não foram identificados suspeitos.

domingo, 25 de outubro de 2009

O Inverno e a Aldeia 11

Floresta S. Vicente da Lua, Janeiro 1953

A quem interessar
Continuo vivo e na floresta. Tal como eu uma mão cheia de habitantes da aldeia conseguiu fugir, tenho a certeza disso, apesar de nenhum deles se querer mostrar, pois vivemos como ratos enfiados em buracos escuros e sujos.
Aprendi a lutar com tudo o que apanho, desde paus, a pedras, às minhas próprias unhas que deixei crescer para lhes cravar os olhos, assim ficam sem ver até se recomporem. Os gajos saram qualquer tipo de ferida. Quando a gente pensa que os esventrou cicatrizam com uma limpeza que assusta.
tenho tentado fabricar armas com o que a natureza me dá, mas aqueles cornos não morrem assim. O máximo que tenho conseguido é atordoá-los, ganhar tempo para a fuga. Mas até na fuga eles me fodem, se corro lento demais eles saem da espécie de desmaio e apanham-me, se corro muito depressa posso cair e por aqui já aprendi que quando caímos morremos. tenho fugido como um animal selvagem, fintando, trocando-lhes as voltas em ziguezagues.
Sei que tenho que ser forte por ela, pois apesar de me ter abandonado, acabará por voltar, se é que já não voltou e se esconde tal como eu num destes buracos sujos. Tenho dias em que só quero morrer pelas minhas mãos, outros dias em que acordo com ganas de dar cabo deles todos, se ao menos soubesse como...
Já percebi que eles farejam medo, que nos lêem dentro da cabeça, sabem para onde vamos e nos moem tanto o corpo como a alma, esta parte disse-me o vigário. Os gajos não gostam do vigário, não lhe tocam, têm-lhe asco. Ele não quis fugir, ficou na capela. Pensa que a malta que lá ficou tem que ser salva, só não percebeu é que todos os que ficaram estão fodidos. Foram mordidos e em breve se vão transformar também.
Se ao menos eu conseguisse chegar ao padre. Se eles lhe têm nojo o homem é de serventia para os que como eu fugiram. Já tentei reunir mais homens para voltarmos à aldeia, mas nenhum tem tomates, nenhum dá as caras. Eles sabem que só quando estamos escondidos nos buracos é que não nos sentem. Por isso sair só para arranjar o que comer e mesmo assim o risco é muito.
Sempre que saio para caçar tento estudá-los melhor. Hoje sei que vou descobrir um bocadinho mais. Só não posso sentir medo, medo não, nunca. O medo é que o eles cheiram primeiro.
Já escureceu e de noite é menos perigoso, eles não enxergam bem, só cheiram, cheiram o medo. Mas eu não posso ter medo, não agora que precisam de mim...


Caixa número 30 /Documentos por identificar. Prioridade: Máxima.

Nota: A aguardar análise de laboratório forense.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

O Inverno e a Aldeia 10

Lisboa, 7 de Setembro de 1974
Correspondência Pessoal/Devolvido ao Remetente

Joana não faz sentido impedires-me de ir aí.
Se o risco que corro é perder-te para sempre se te procurar, diz-me então o que é que muda se ficar?
O que é que se passa de tão grave? As cartas que remeto aos meus pais são devolvidas com uma enorme cruz sobre os seus nomes, os telegramas que tento enviar não chegam. De Sta. Apolónia dizem-me que o velho apeadeiro de S.Vicente da Lua encerrou, que não há bilhetes de comboio para aí chegar. Que terei que percorrer os 70 quilómetros que separam as Penhas da Saudade de S. Vicente pelo meu próprio pé, entre bosques e florestas. Ainda assim estou disposto a ir, enfrentarei lobos, tempestades, geadas para encurtar a distância entre nós. Mas rogo-te que me respondas, que me dês uma luz de esperança, um sinal por mais ínfimo que seja e eu irei. Viveremos aqui mesmo na Capital, longe do que te atormenta aí. O meu quarto chega para nós.
Vivo ensurdecido com o silêncio que me chega daí. Se a tua resposta não vier dentro deste mês partirei e não há nada, nem ninguém que me impeçam de te resgatar do que quer que seja.
Envio-te estas letras pelo filho dos Alvares que parte hoje mesmo para S.Vicente de boleia com um colega nosso de faculdade.
Do sempre teu
Júlio

Correspondência Pessoal/ Recebida juntamente com o documento anterior

S.Vicente da Lua (data omissa)

Júlio devolvo-te a tua carta, tenho medo que a apanhem. Eles parecem desprovidos de cérebro, mas...(ilegível)... O filho dos Alvares disse que ia tentar chegar às Penhas da Saudade e pedi-lhe que enviasse....(ilegível)... Eles querem matar-nos a todos.... Os teus pais, eles não sobrev...(manchado de substância de cor vermelha)...Ajuda-me a fugir, vem por favor esquece tudo o que te disse e vem... Espero um filho teu, tira-nos daqui... Vou tentar... (ilegível).... Na floresta...

Nota: Prova redigida com o que parece ser sangue de animal, não foi usada tinta.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

O Inverno e a Aldeia 9

(Clicar no play e começar a leitura, please...)



Aldeia de S. Vicente da Lua, 24 de Dezembro de 1952
A quem aprouver.
Hoje tentei abalar daqui outra vez. Os filhos da puta ficam-se no cerco a este buraco onde estou enfiado. Cabrões. Já não boto apeguilhos ao bucho há dois dias. Não tenho dúvidas que estes caralhos, estes meio-sangue de merda vão tentar sair daqui para tomar outra terra qualquer.
Consegui ir até à aldeia. O fedor... pedaços de homem e mulher enontram-se espalhados pelos cantos, meio comidos meio por comer. Os gajos cagam onde comem. Entrei na casa do Ernesto Mouco, ele é costumeiro de ter o fumeiro atado na cozinha. Lá estavam os chouriços! Eles não comem a nossa comida. Nós somos o mata-bicho deles! Quando ia a abalar estava lá um. Estranhei estar sozinho, costumam andar em bando como os ciganos. Covardes! Era um meio-sangue dos pequenos, um meia-leca de merda que me mostrou os dentes serrados, sujos de terra. Ainda andava curvado como um macaco. Atirou-se à minha perna e levou um pontapé bem em cheio no focinho! Já não me apoquentam os pequenos. São ainda crias a aprender a lutar. A merda toda é que uma cria nunca anda longe da mãe...
Ouvi o grito na rua de trás. Parecia alguém a riscar um quadro de ardósia. MERDA! MERDA! MERDA! Pisei o meia-leca, não tive tempo de o matar e corri pela vida! Só se pode correr, em pelejando com os grandes. Apareceu num pincho na esquina da rua e consegui ver. Estão sempre a escorrer cuspo os filhos da puta esfaimados. Este corria como um louco e conseguia sentir o seu bafo merdoso na minha espinha. Saquei do meu bordão de atiçar o gado e, sem parar de correr, balancei-o para trás e espetei-lho com ele nas trombas! Nem soube o que o atingiu!! Ficou no chão, a espernear que nem um bezerro acabado de nascer. Mas fui apanhado à traição por outro, que se atirou para cima de mim. FODA-SE, não sei de onde ele saltou mas a minha sorte foi que rebolámos pelo chão e ele largou-me. Ainda sinto a sua sua carne rançosa na minha mão, como se fosse carne podre a criar aquele bafio, aquela ranha viscosa que surge antes dos murcões começarem a crescer. Agarrei numa pá que me apareceu e bati-lhe com toda a minha força! Não devo ter acertado em cheio porque se levantou e voltou a perseguir-me.
Não há mais nada a fazer. Corri e fugi deles todos com a pá a bater neles e nas paredes, nos grandes e nos pequenos, nem sei quantos eram mas eram muitos. Não sei como se matam os grandes e não consigo matar os pequenos porque nunca andam sozinhos. Enfiei-me no meu buraco outra vez. Consegui trazer dois chouriços que não sei até quando me aguentam... O meu coração bate na minha garganta. Não sei até quando vou viver, mas sei que estes cabrões não me comem sem eu dar luta. Filhos de um corno manso hão-de morrer de caganeira se me comerem.
No meio dos que me atacaram consegui ainda ver as feições da Maria das Dores, do Zé Pastor e do Ernesto Mouco.

O Inverno e a Aldeia 8

Alberto
Outono de 1950
A Chegada


Na sua mão esquerda uma pequena mala com poucos pertences. Alguns livros dos quais nunca se separava, duas, ou três camisolas quentes para vestir debaixo da batina, pois ouvira dizer que naquela aldeia o vento chegava a doer nos meses de Inverno.
Na mão direita a Bíblia puída pela leitura diária e apaixonada.
Olhou S.Vicente da Lua do topo da colina onde se encontrava e respirou fundo, inspirou cada detalhe da paisagem que se prostrava perante o olhar comovido daquele homem de Deus.
A sua primeira Paróquia, os primeiros fiéis, almas humildes ainda puras pela falta do cinzento das grandes cidades. Esta seria a sua missão e tomá-la-ia com os dois braços e o coração inteiro, disso estava certo. Alberto nunca tivera um chamamento épico, uma força visceral a puxá-lo para o seio da Igreja. Fora um caminho sereno o que percorrera até decidir entrar para a vida austera de serviço ao Altíssimo. Não quisera fugir a nada, nem de ninguém. Quisera sim correr na direcção da fé e fizera-o sem medo.
E agora ali estava ele, prestes a entrar na vida activa de um padre, comovido até aos ossos, portador da credulidade dos que acabaram de se iniciar.
Acedera ao pedido do Bispo de Coimbra sem perguntas. O anterior Vigário de S.Vicente da Lua suicidara-se e o escândalo em torno daquela morte pecadora levou a que a Paróquia estivesse sem regente durante largos anos. O seu querido amigo e Bispo confiara nele, um jovem padre, a nobre missão de retomar as actividades da Santa Madre Igreja na aldeia.
Um ruído desviou Alberto do rumo dos seus pensamentos. As folhas de Outono sob os seus pés levantaram-se como que movidas por uma brisa invisível e formaram uma espécie de caminho esvoaçante sobre o seu olhar atónito. Podia jurar que sentia uma mão quente a pressionar-lhe as costas na direcção que as folhas indicavam e uma voz suave no seu ouvido que lhe dizia: Vai!
Apertou a bíblia com toda a força na palma da mão e rezou enquanto caminhava na direcção de um ruído. À medida que as folhas iam caindo sem vida sobre o chão húmido de Outubro, o som foi ficando mais claro, até ser impossível não perceber que um homem e uma mulher se amavam escondidos entre as árvores da floresta.
Quis virar costas e retomar o caminho da aldeia, mas a mão invisível aprisionava-o ao chão e a voz segredava-lhe: “Vê! Vê com os teus próprios olhos o que perdeste Alberto”.
As árvores que cobriam os jovens amantes afastaram-se como que por encantamento, deixando-os desnudos ao azulado e terno olhar do vigário.
Ele cobria de beijos o corpo quase transparente dela, com uma dedicação que só empreende quem ama. Ela gemia baixinho sob os seus lábios, como que transportada ao mais belo dos lugares. Enquanto entrava suavemente dentro daquela bela mulher ele entoava palavras de amor, como se lhe cantasse ao ouvido, para serenar o que não precisava de conforto, para adocicar o que já de si parecia tão doce. Alberto estremeceu, não de luxúria, mas de encantamento por tamanho amor.
- Amo-te Joana, vou ser sempre teu, para sempre teu.
- Também te amo Júlio, fica comigo…
O Vigário forçou-se a contrariar a mão que o mantinha preso naquela contemplação, usando para isso todo o fervor da sua fé:
- Deixa um homem de Deus continuar o seu caminho, nada tenho a fazer aqui – Sussurrou.
- “Vê o que perdeste padre! Olha-os uma última vez”
A voz era assexuada, indefinida, perigosamente tentadora, mas Alberto levantou o crucifixo que lhe pendia do pescoço bem alto e rezou com quantas forças tinha, estugando o passo colina abaixo. Um único pensamento lhe movia os sentidos: Sair da floresta, chegar o mais depressa que conseguisse ao abrigo da casa de Deus e reflectir sobre o que acabara de acontecer...

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

O Inverno e a Aldeia 7

(Documento prioritário.)
Diário da Viagem, dia 56.
Parti dos montes onde me tinha acomodado nos últimos dias hoje, pela fresca. O dia estava esplendoroso e quente. Estranho para o mês de Novembro! Caminhei algumas horas descendo pelas rochas menos íngremes das montanhas e cheguei à planície ao início da tarde.
Hoje fui, mais uma vez confrontado com o poder da Natureza, afinal a principal razão desta viagem só comigo e com a minha mochila. Uma viagem de auto-conhecimento através da Mãe Natureza, uma caminhada espiritual de confronto comigo mesmo e com os meus limites. Uma espécie de eremita itinerante. Mas, dizia, a Natureza tem os seus mistérios e o dia, que amanhecera radioso, escureceu abruptamente. O Sol pareceu ter-se escondido atrás dos imponentes calhaus que dominam estas terras. No final da tarde avistei um pequeno aglomerado de casas. Inicialmente foi-me difícil percebê-las tal era o peso do nevoeiro sobre elas. As casa pareciam espectros flutuantes que apareciam e desapareciam a seu bel-prazer. Não vi habitantes. Ao chegar apercebi-me que se trata de uma aldeia deserta! Que privilégio o meu de poder caminhar onde já só os fantasmas do passado vagueiam.
Entrei em algumas casas, muitas ainda com vestígios de vida: as mesas, as cadeiras, algumas fotos de família. Certamente ninguém voltou a este local inóspito para reclamar os pertences dos seus queridos. Acho que pertencem ao monte agora. Deixei-os ficar. Escrevo à luz das velas da velha capela, guardado pelos santos que me olham dos seus altares.
(fim de página, ler página seguinte.)
Diário da Viagem, dia 57.
Este (nódoa) está amaldiçoado. A luz do dia permitiu-me ver melhor. Há crucifixos (nódoa), de cabeça para (nódoa). Alguns espalhados pelas ruas. Os cães selvagens que me têm seguido desde (nódoa) desapareceram. O nevoeiro é (nódoa) pesado. Pesa sobre os ombros, dobra-nos, retira-nos a alegria. Em algumas casas as paredes estão manchadas com (nódoa), como se alguém tivesse atirado latas de tinta contra elas. Mas não é de tinta que se trata... tremo (nódoa)... sangue!
Durante todo o dia senti-me seguido mas, cada vez que olhava (nódoa) o nevoeiro. Maldito nevoeiro... não fui capaz de encontrar um (nódoa) saída deste lugar. Cada rumo que tomava trazia-me de volta a (nódoa), a igreja. Ouço uivos mas não há cães e os lobos não se aproximam. Há algo de malévolo (nódoa). Partirei log
(Documento encontrado junto a cadáver ainda não identificado. Resto da página coberta de sangue. Não existem mais entradas.)

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

o Inverno e a Aldeia 6

Actualidade Sede da Polícia Judicária - Lisboa
Alguns recortes de jornal, cartas rasgadas unidas como um puzzle caseiro, desenhos infantis com um tom demasiado macabro, relatórios de análises de ADN, relatórios periciais, fotografias de famílias inteiras que pareciam devolver o olhar a quem as fitava e dezenas de pequenos objectos não identificáveis por um observador desatento repousavam num enorme quadro de cortiça presas meticulosamente, obedecendo a uma ordem que só o Inspector entendia.
Apagou o último cigarro do maço e passou as mãos pelos cabelos salpicados de cinzento. Levantou-se sentindo as pernas pegajosas pelo calor que se fazia sentir no gabinete e deu um pontapé na inútil ventoinha que se limitava a espalhar ondas de calor em seu redor.
- Nem que seja a última merda que faça na minha vida, eu vou conseguir descobrir-te, viva ou morta! Porra para isto tudo! Nada bate certo!
Desta vez o pontapé saiu na direcção da sua própria cadeira que se limitou a girar em torno de si própria enquanto gemia baixinho, gozando com ele. Tudo parecia zombar de si, até o próprio gabinete, claustrofóbico de luzes fluorescentes que acendiam e apagavam consoante o seu estado de espírito.
Desapertou o colarinho suado e apoiou-se no imenso placar fitando cada uma das pessoas retratadas nas imagens, buscando nos seus olhares vazios a resposta.
Retirou do bolso a carta que não chegara a etiquetar como prova e segurou-a na palma da mão quente e poderosa. Podia sentir as pontas dos dedos de quem a escrevera a percorrerem o contorno dos seus finos lábios.
O seu estado de transe foi interrompido por um estrondo seguido da mais completa escuridão. Mas ele nem pestanejou, estava mais do que acostumado às nuances das luzes naquele gabinete. Limitou-se a recitar interiormente o conteúdo da carta que sabia de cor.

Documento não anexado ao rol de provas. Categoria: Correspondência Pessoal.

Aldeia de S Vicente da Lua, 10 de Agosto de 1974

Júlio rogo-te que não regresses.
Se tens ainda no teu coração algum amor por mim fica na cidade, não me procures mais.
Eu não sou a mesma Joana que deixaste. Dentro de mim cresce alguma coisa que não consigo mais controlar, agora tenho a certeza disso. Só pode ser Ele que veio para nos buscar a todos, a cada um de nós. O Vigário tem colocado cruzes sobre as nossas casas quase todas as noites, mas de nada nos valem. Estamos irremediavelmente tomados.
Temo o nosso reencontro, pois o amor que julgas nutrir por mim esfumar-se-á assim que pisares a Aldeia, assim que vires no que me transformei.
Não desejo voltar a tocar-te, a olhar-te, a falar-te, pois assim como o nosso caso começou, como um fogo terminou com a mesma rapidez.
Se tornares à terra não te perdoarei e tudo o que tivemos deixará de ser uma boa recordação.

Joana


Um grito gutural fez com que os vidros das janelas estremecessem à beira do colapso e as luzes reacenderam-se como que por magia. Só passados uns segundos é que percebeu que aquele rosnar cavernoso saira de dentro da sua própria boca. Ele jamais voltaria a ter paz...

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

O Inverno e a Aldeia 5

(Documento nº 578, caixa nº 76, tipologia: recorte de jornal / documento público)

ÚLTIMA HORA: ACTRIZ QUERIDA DO POVO LISBOETA ASSASSINADA!!

Maria da Conceição Felismino, conhecida do grande público como Sãozinha, apareceu ontem morta no seu apartamento na marginal de Cascais. A polícia mobilizou todos os seus efectivos para tentar encontrar pistas que permitam encontrar e levar à justiça o autor de tão hediondo crime.
Apesar dos esforço para obter dados que permitam esclarecer o público acerca das circunstâncias da morte de Sãozinha, a polícia bloqueou todos os acessos aos luxuosos apartamentos onde vivia a actriz. Fonte próxima da investigação, contudo, declarou ao nosso jornal que se tratou de uma morte violentíssima, com traumatismos corporais que deixaram o corpo quase irreconhecível. Contactado pelo nosso jornal, o agente de Sãozinha declarou "ela não tinha inimigos! Era uma pessoa querida por todos, no meio do teatro e saía à rua sem qualquer tipo de dissimulação. Toda a gente gostava dela!", visivelmente emocionado. Os vizinhos de Sãozinha, membros da alta sociedade de Cascais como a proeminente família Bourbon e Cyrne, não prestaram declarações oficiais mas fizeram saber da sua consternação pela morte, ocorrida num dos condomínios mais seguros do país.
Ao fim da manhã, muitos populares juntaram-se junto ao cordão de segurança montado pelas forças policiais. A tristeza era a nota dominante e logo surgiram as primeiras flores, velas e fotos da malograda actriz. "Era como se fosse minha filha... adorava vê-la no teatro e nas novelas. E era natural de uma terra bem próxima da minha..." declarou, entre lágrimas, uma fã da actriz.
Maria da Conceição Felismino era natural da Aldeia de São Vicente da Lua, tendo nascido em 29 de Março de 1941. Mudou-se para Lisboa na década de cinquenta perseguindo o sonho de ser actriz. Foi com o filme "Adeus Adeus minha Terra" que se tornou conhecida do grande público. Morre em circunstâncias trágicas e ainda por esclarecer após uma carreira de 10 anos de sucesso. Na edição de amanhã será publicado um artigo biográfico em homenagem a Sãozita.
A redacção presta publicamente, as condolências à família e amigos da actriz.
Artigo publicado na edição de "A Voz Lisboeta" de 10 de Outubro de 1973. Ver documento relacionado nº 579, na mesma caixa.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

O Inverno e a Aldeia - 4

Documento nº3, caixa 12, tipologia: cópia de registo simples/ a destruir

Albergaria Nossa Senhora dos Pinhais
Travessa do..., nº 4, Lugar de Magusteiro

Nome completo: Joaquim ????
Proveniência: Aldeia de São Vicente da Lua
Entrada: 11/Outubro/195...
Saída: ND
Pagamento: ND
Observações: o rapaz estava vizivelmente perturbado e bastante (letra ilegível) muito nervozo só sei que era de São Vicente porque deixou cair uma fotografia de uma rapariga com a igreja de lá por tráz e dizia para Joaquim, com amor, Conceição.
(linha em branco)
Tentei cumprir as ordens do patrão e pôr o hóspede na rua, mas ele começou a (letra ilegível) e atacou-me (letra ilegível). Sem sinais de embriaguez mas com (ilegível) nas unhas.
(duas linhas em branco)
Nota à parte, colada no registo:
Patrão, se quizer que eu continue ao vosso servisso não fasso mais o turno da noite. Tenho filhos a criar e (completamente ilegível)
(uma linha em branco)
Nota à parte, colada no registo: Patrão, vou-me embora com os meus filhos para longe daqui. Não se preocupe com as contas. Fique com Deus.

Conclusão: registo e notas escritos por Manuel Silverino, viúvo, funcionário da Albergaria Nossa Senhora dos Pinhais de 1940 até à data do presente registo, n.1919, pai de Guilhermina Silverino n. 1939 e Manuel Silverino Filho, n. 1942.
Paradeiro de Manuel Silverino: desconhecido.
Paradeiro de Guilhermina Silverino: desconhecido
Paradeiro de Manuel Silverino Filho: desconhecido.

o Inverno e a Aldeia 3

Documento nº 25/ Caixa 3 / Tipologia: Correspondência Pessoal Vigário Alberto/ Em análise

Aldeia de S. Vicente da Lua, 2 de Julho de 1952

Mais do que Bispo, meu Caro amigo Pedro:

É com as mãos trémulas pela crescente falta de fé e vergadas pela dor que lhe redijo o que penso ser a minha última missiva. A gélida temperatura que se instalou na aldeia nestes meses de verão impede-me de continuar a escrever-lhe, pois com o gelo veio também a artrite não apenas nos meus frágeis ossos, mas acima de tudo na minha empobrecida alma.
Enquanto os gemidos da noite e do vento (assim quero acreditar) gritam lá fora este seu amigo não dorme, caminha de batina pela capela, cai de joelhos defronte do altar, apela sem agravo a todos os santos redentores. Porquê meu Deus, porque é que não consigo chamar o rebanho à igreja nem como refúgio do frio que se faz sentir? Porque é que a palavra do Senhor deixou de fazer sentido aos habitantes da aldeia? Eles que me enchiam a capela todos os dias do mais puro dos fervores?
Porque é que sinto que já não sou bem-vindo nas suas casas, nas suas vidas? E acima de tudo porquê este vacilar interior que me atormenta, este fogo numa alma que se quer humilde?
À noite tudo surge para me roubar a pouca sanidade que resta. Escuto gemidos, preces longínquas em sânscrito, vejo sombras. Sei que tudo não passa de uma interminável provação de fé, mas porquê a mim?
Continuo a colocar noite após noite os crucifixos sobre as portas das habitações, tal como me aconselhou, mas basta um par de dias para que retornem à proveniência. Contei-lhe já como as cruzes de Cristo reaparecem na capela pregadas ao contrário sobre o altar…
Quero ser mais forte que tudo isto, Deus sabe que tenho tentado ver as coisas sob o seu olhar, mas sinto-me no final de um longo caminho infrutífero e sinto que Ele está na sombra à espera para me levar a qualquer momento...
Aguardo impacientemente ordens suas meu amigo, pois se nenhuma orientação me der, estou em crer que me perderei irremediavelmente.

O seu servo e amigo
Alberto

Sobre a folha de papel encontrados vestígios de uma substância de cor avermelhada que se repete sobre a entrada número 2 desta sequência. Aguarda análise do laboratório.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

O Inverno e a Aldeia 2

(Documento nº 66, caixa 5, Status: em análise)
Querido Diário:
Sinto-me triste. Uma tristeza profunda que não vem de dentro. Não é como as outras tristezas que já senti antes. É uma tristeza que vem de fora. É como se a tristeza fosse transportada por este estranho nevoeiro que envolveu toda a aldeia.
Hoje na escola proíbi os meninos de sair para o recreio. Ficámos todos dentro da sala, mas ninguém falou ou brincou. O silêncio pareceu-nos tão pesado que ninguém sequer se levantou do seu lugar. No corredor ouvia-se a discussão exaltada entre o Padre, o guarda Abel e a menina Cidinha. Os seus gritos chegavam-nos aumentados e distorcidos pelas paredes de pedra fria. A menina Cidinha saiu para a rua a chorar. Vimo-la através das janelas. Correu para fora dos portões da escola e desapareceu, envolvida pela névoa. O padre Alberto saiu logo depois dela mas travou a fundo junto aos portões. Parecia que tinha batido contra uma parede. Regressou lentamente para dentro. Nunca virou as costas aos portões.
Continuo a ser olhada com desconfiança desde que cheguei. Parece que me culpam pelo abandono da antiga professora. Os pais não me falam, o padre não me consulta, as velhas beatas segredam à minha passagem. Apenas uma pessoa sorri para mim. Um homem com aspecto doce mas com a pele escura pelo sol que apanha nas eiras. Parece que todos discutem na aldeia. No caminho para casa notei a melancolia que paira sobre este lugar. As luzes estão apagadas em quase todas as casas. As portas fechadas e os crucifixos pregados da parte de fora. Nunca tinha visto tantas cruzes em tantas portas. Algumas delas estavam meio abertas mas não sei se alguém tinha entrado ou tinha saído. Ouvi alguns homens a berrar com as suas mulheres, com os seus filhos. Não querem que saiam de casa. Alguns deles não vão há escola há dias. Dizem que foi comigo que chegou o nevoeiro.
Os cães pararam de ladrar. Os cães ladram sempre durante a noite. Ao desafio. Se um começa logo outro o acompanha e depois outro e outro. Fico sempre contente por os ouvir ladrar. Consigo imaginar o som dos cães a viajar pelas ruas da aldeia. Mas também isso acabou.
Das traseiras da escola vi três sombras que se deslocavam no bosque. As árvores escondiam-nos porque parecia que eles apareciam num lugar para depois desaparecer e voltar a surgir num local diferente. Acho que foram eles que fizeram calar todos os cães.
Releio o que escrevi. Acho que esta solidão a que estou votada, a forma fria como as gentes me tratam desde que cheguei estão a fazer-me ver coisas...

domingo, 11 de outubro de 2009

O Inverno e a Aldeia 1

(documento nº 41, caixa 17 - tipo: correspondência pessoal. Status: a destruir)

Aldeia de São Vicente da Lua, 14 de Outubro de 195...


Querida Maria da Conceição, que Deus te guarde sempre, minha sobrinha.
Sei que é assim que se costuma acabar as cartas, mas prefiro escrever o mais importante já, para o caso de algo me impedir de terminar esta missiva. É que algo tão simples e pequeno, como o tempo que levo a mandar-te as notícias desta aldeia que deixaste, deixou de ser certo. Por isso, desta vez não te escrevo a contar das coscuvilhices da vizinhança e da algazarra dos mais pequenos, ou do padre estranho que nos mandaram este ano, ou da escola que ainda não conseguiu encontrar uma professora à tua altura.

Não há tempo, minha doce Conceição, sei-o com a certeza de todos os meus cabelos brancos.

Falo-te sim, do Inverno que trouxe geadas demasiado cedo este ano – como se também ele temesse pelo tempo que lhe resta - ou sobre as petúnias da minha querida irmã e tua mãe, que deixei morrer ainda não sei bem como, quebrando uma de duas promessas: a de cuidar de ti e delas, suas filhas amadas. Digo-te ainda que suspenderam o terço das segundas à noite e os bordados das quintas no salão paroquial. Estes dias, ficamos todos em casa ao cair da noite, desfiando e bordando os nossos próprios pensamentos.

Alguma coisa está a passar-se nesta tua terra, Conceição. Viúvas de luto aliviado voltaram a cobrir-se de negro, as crianças não saem em debandada no fim das aulas. Deixaram de brincar no pátio da igreja também. Se eu pensar bem, há muito tempo que não oiço o Zezinho da Eulália, ou o Inácio, ou o pequeno Pedro do padeiro.

As crianças têm estado em silêncio.

Mas não quero encher-te de ralações, pois foste para Lisboa em busca do teu sonho, ser actriz, e não para te preocupares com esta gente que te virou as costas. Toda a aldeia falou de ti, mas fizeste ouvidos moucos, e ainda bem. Quem nasce com a tua capacidade para entender a alma humana está destinado a voos mais altos, e por isso ajudei-te a ir. Tu realizaste o meu sonho, que era aprender a ler e a escrever, em troca da tua liberdade. Nada mais justo. Deste-me a chave das palavras, eu dei-te as chaves da tua vida.

Nunca te tinha dito isto, pois não? Acho que não. Esta carta já parece uma despedida de uma velha moribunda. Deves pensar que tolinha é a tua tia... mas, se pensares bem, o que sabemos nós da hora da nossa partida? Nada. Ou quase nada.
Só podemos senti-la.
Como um Inverno que chega demasiado cedo.

Despeço-me assim, minha querida Conceição, na esperança de te mandar notícias mais animadoras da próxima vez.

Com todo o amor desta tia que te quer como mãe,

Maria Dulce

PS – tentei dar a fotografia ao Joaquim, mas não o encontrei ainda. Há dias que ninguém o vê.

Rabiscado em rodapé: fotografia ??? MD - desaparecida em 1/11/195..., Joaquim ??? sobrenome???

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Então???

Mas afinal não se começa aqui outra história??? Um gajo retira-se durante uns dias e já nada se faz neste blog...