Há quem goste delas curtas, há quem as aprecie mais longas, mas para nós o tamanho não importa, uma história merece sempre ser contada.

sábado, 7 de novembro de 2009

O Inverno e a Aldeia 16

17 de Novembro, 1952

Minha querida Conceição, só te rogo uma coisa: não voltes. Não olhes para trás. Não sei se chegam à capital notícias desta terra por Deus esquecida, mas não devem chegar. Esta aldeia está a deixar de existir aos poucos, e não estranhes se um dia deixares de receber notícias minhas. Faço as minhas orações todos os dias e estou em paz com o Senhor. A única coisa que me apoquenta é o não mais me confessar. Isso deve ser uma surpresa para ti, pois desde a primeira eucaristia que o fazia todas as semanas. Mas deste que o outro padre foi substituído, que não sei quem está por trás da cortina do confessionário.

Sei sim, filha, que Deus não é. Por isso, agora resolvo os meus pecados directamente com Ele, em oração, na esperança que me perdoe.
Deves estar-te a perguntar se ainda vou à missa. Vou, querida, da casa do Senhor não me posso afastar. Mas digo-te aqui, nesta missiva que só tem a ti como destino, que não sou capaz de olhar para o altar. Olho para a Santa Cruz e para a Virgem acima, mas para o altar, não.
E recebo a hóstia de olhos fechados. Quem ainda vai à missa faz o mesmo.

Bem, minha querida, vou-te deixar em paz com estes achaques de velha da aldeia, que nada disso deve interessar-te. Tenho de ir visitar a prima Joana e levar-lhe uma mezinha, que ela, e isso é um segredo que te conto porque sei da vossa amizade, está de esperanças. Sabes que não sou como as outras mulheres cá do sítio e não atiro a primeira pedra. Para mim, esta criança é filha de um amor honrado e abençoado por Deus, embora não consagrado. Mas é uma questão de tempo, tenho a certeza.
Já escrevi ao Júlio e espero que ele chegue antes que o ventre da moça se faça notar.
Tenho medo que ele não tenha recebido a carta, pois já recebi duas tuas depois de lhe ter escrito a ele.
Mas Deus vai trazê-lo a tempo de evitar os falatórios.

Quanto ao Joaquim, meu amor, acho que o viram para as bandas de Nossa Senhora dos Pinhais, e de Obradeiro. O que se diz dele prefiro não escrever aqui. Tenho a certeza de que são boatos.
Afinal o Joaquim desapareceu antes de o Inverno chegar tão cedo a esta aldeia.

Com muito amor, da tua tia que te roga: não voltes.
Não voltes nem por amor.

Maria das Dores

3 comentários:

Miguel disse...

Acho que o nosso encontro ajudou bastante a narrativa!!! Acho que a história está definitivamente lançada...
Muito bem Mel!!

Nuvem disse...

Muito bem Melissinha.
Estou a adorar :)

Ana. disse...

Ó pá, que bonita carta...
Muito boa mesmo!
;)