Há quem goste delas curtas, há quem as aprecie mais longas, mas para nós o tamanho não importa, uma história merece sempre ser contada.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Um Estranho caso de Amor: recomeço.

Rodrigo corria pela cidade. Sentia-se livre, leve, feliz. Observava tudo avidamente, como se fosse a primeira vez que corria naquela cidade. Mas não era. Tudo lhe era familiar, o cheiro forte e penetrante que emanava das grelhas do esgoto, o colorido da baixa, a luz brilhante da baixa junto ao rio, o cheiro a maresia, a pastelaria da esquina, as montras, o trânsito. Passou por uma fila de carros que apitavam impacientemente ao camião que descarregava as mercadorias. Não deixou de reparar na bela condutora que o observava e devolveu-lhe o olhar, provocador. "Sempre o mesmo, Rodrigo!" pensou para os seus botões. Sentia o suor a correr-lhe pelas costas, o vento a bater-lhe na face, os músculos das pernas a pedirem-lhe para parar mas ele acelerou. Sentia-se feliz porque ia ver Helena e a sua filha.
Corria já em direcção ao parque da cidade. Além de ser óptimo para correr, tinha um enorme lago com patos e Inês adorava os patos. Lembrou-se que não tinha trazido consigo o pão seco para partir e dar aos peixes e patos. Ela adorava fazer isso e ria-se largamente com a disputa entre os animais. Talvez Helena se tenha lembrado. avistou o verde do parque ao fundo da avenida. As árvores altas e frondosas, as pedras imponentes que o delimitavam, o repuxo gigante do lago e sentiu a brisa a erva que vinha daquela direcção. Mais perto, viu homens e mulheres a correr, famílias sentadas na relva, pares a namorar junto ás árvores, pais e filhos a jogar à bola e a lançar papagaios. Viu as crianças junto ao lago e reconheceu Helena. Mas ela estava só.
Tremeu. Onde estava a menina? Correu com um nó na garganta. Aproximou-se e não a viu. Helena chorava. Parou e olhou em volta. Tantas crianças... onde estava ela? Viu uma menina a correr sozinha pelo parque. Correu atrás dela mas abrandou quando uma mulher lhe pegou ao colo. Andou sem destino enquanto parecia ver a sua filha atrás duma árvore, a brincar com um menino, sozinha na outra margem do lago. Não estava em lado nenhum. Helena chorava. Rodrigo correu por toda a extensão do parque. Queria perguntar às pessoas se a tinham visto mas não sabia como ela estava vestida. De repente, ao fundo do parque, avistou-a. Corria na direcção oposta a ele. Precipitou-se pelo caminho. Correu com todas as suas forças, viu-a virar noutra direcção e perdeu-a de vista. Correu mais ainda e tomou o mesmo caminho. A estrada de pedra subia e Rodrigo sentiu-a a dificultar a sua caminhada. Virou e lá estava ela. Suspirou...
Era um pequeno recanto do parque, bem no cimo da colina. Um relvado bem cuidado rodeava um pequeno lago formado pela água que caía de uma pequena cascata. Ela estava sentada junto ao lago. Brincava com uma folha de um carvalho velho que guardava aquele recanto, e falava sozinha. Rodrigo sentiu-se esmagado por aquela visão e chorou. De felicidade, de encanto, de desespero, de alívio. Aproximou-se e ela sorriu. "Meu amor, minha filha... porque fugiste do pai? Sabes que podes sempre contar comigo, estarei sempre cá para ti, meu amor". Ela olhou-o com um sorriso desarmante no rosto e colocou-lhe as pequenas mãos na face, limpando as lágrimas que caíam.. As suas mãos eram suaves e leves, o seu toque era o Amor. Sentiu que aquelas mãos, aquele toque eram a razão da sua existência.
"Rodrigo, Rodrigo?" ouvia Helena a chamar, ao longe. Olhou e não a viu. Quando se voltou, também a menina tinha desaparecido. "Rodrigo, estás a ouvir-me? Ele mexeu-se!! Rodrigo, Rodrigo....". Abriu os olhos. Lá estava ela!!! Sentada no seu peito uma menina mexia-lhe na face. O cabelo escuro, a pele bem clara, nos olhos castanhos, redondos e grandes bailava a mesma vontade de viver que ele reconhecia todos os dias ao espelho! E o sorriso, ainda só com alguns dentinhos, o sorriso era aberto, franco e pleno de significado como o de Helena. Ele abraçou-a forte e não foi capaz de conter a felicidade que sentia. "Filha, minha filha... já estás tão crescida..."e a menina respondeu tão simplesmente "Papá!" Rodrigo apercebeu-se finalmente onde estava. Viu Helena a sorrir, aliviada. Um médico e um enfermeiro rodearam-no e confirmaram que ele estava bem. "Foste atropelado Rodrigo. Lembras-te?" Ele não se lembrava. Só se lembrava de correr para a ver e contar-lhe que nada tinha acontecido entre ele e Diana. "Helena, tens de saber, eu e Diana..."
"Nunca aconteceu! Eu sei..."
"Como..."
"O António contou-me tudo!! Mas soube-o apenas depois do acidente. Passaram nove meses Rodrigo. Pensámos que te tínhamos perdido... eu e Inês, a tua filha!!" Rodrigo continuava abraçado a Inês e ela adormecera entretanto. Aquele abraço parecia-lhe tão natural como respirar.
"Inês? É linda..."
"Passou aqui a maior parte do seu tempo de vida. Dormiu, comeu, chorou aqui. A primeira palavra que disse foi "papá", numa manhã em que entrávamos para te visitar. Brincou ao teu colo, dormiu no teu peito. Sempre dormiu tranquilamente no teu peito, como agora. Como se soubesse que voltarias para nós a qualquer instante."
"Tinhas razão minha filha..." sussurrou Rodrigo, beijando-a docemente na face. Depois encarou Helena "Também te amo... apesar de tudo. Quero continuar contigo, quero compensar-te por tudo o que te fiz sofrer. Amo-te Helena... mas, nove meses. Eras tão próxima do António e eu podia nunca acordar..."
"O António voltou para Londres, Rodrigo. Ele sabe que nunca vou amar nenhum homem como te amo a ti!!". Abraçaram-se num abraço que ambos julgaram interminável. Estavam juntos finalmente, uma família!
Rodrigo respirou fundo. Finalmente reparou no médico que esperava num canto do quarto. "Diga-me, doutor. Quando é que posso por-me a andar daqui para fora?"
O médico exibiu um sorriso forçado "Interessante escolha de palavras..." disse para si mesmo "Bom Rodrigo, o acidente causou muitos danos. O facto de ter ocorrido mesmo ás portas da urgência foi um factor fundamental para que esteja connosco hoje. Contudo, apesar de estar tudo normal do ponto de vista neurológico, alguns danos foram irreparáveis..."
Rodrigo sentia uma estranha sensação de formigueiro nos pés.
"... tinha fracturas múltiplas da bacia e várias fracturas expostas nas pernas. Alguns ossos foram literalmente pulverizados pelo choque. Lamento Rodrigo... tivemos de lhe amputar ambas as pernas." saiu, deixando o silêncio a governar o quarto.
E cá está!!! Eis o final da saga de Rodrigo!!! Espero que tenham gostado, afinal ficaram todos juntos!
Até à próxima história!!!

5 comentários:

Ana C. disse...

Perneta????? Mas que raio de surpresa final!!!!
Muitos parabéns, adorei o nosso último episódio. Cheguei a pensar que tudo não tinha passado de um sonho, a história toda. Mas deste mais uma reviravolta e nova surpresa.
Esta foi a nossa segunda história. Vamos lá a ver quantas mais se seguirão, espero que imensas :)

L. disse...

WOW mas ele fica assim? Sem pernas? Eu a pensar que ia acabar com um final super feliz!?

Não interessa, gostei a sério. Quando vem a próxima?

Miguel disse...

Ana, tu atropelas o rapaz (ainda por cima com uma ambulância, que é veículo para ser pesadito) e esperavas que ele saísse ileso??!! Nã, esta história tem de ser verosímel (ui, ui, carota esta palavra)!!!

Miguel disse...

L. não é super feliz, é só... feliz!!
Afinal o que são uma ou duas pernitas...

Carla disse...

Caramba, que nunca mais conseguia comentar este final.
Malandros, que deram cabo do homem.
Ora toma com um coma de 9 meses e ainda fica sem 'pernotas'
E a pensar que quem não gostava do Rodrigo era eu...buá!