Alberto
Outono de 1950
A Chegada
Na sua mão esquerda uma pequena mala com poucos pertences. Alguns livros dos quais nunca se separava, duas, ou três camisolas quentes para vestir debaixo da batina, pois ouvira dizer que naquela aldeia o vento chegava a doer nos meses de Inverno.
Na mão direita a Bíblia puída pela leitura diária e apaixonada.
Olhou S.Vicente da Lua do topo da colina onde se encontrava e respirou fundo, inspirou cada detalhe da paisagem que se prostrava perante o olhar comovido daquele homem de Deus.
A sua primeira Paróquia, os primeiros fiéis, almas humildes ainda puras pela falta do cinzento das grandes cidades. Esta seria a sua missão e tomá-la-ia com os dois braços e o coração inteiro, disso estava certo. Alberto nunca tivera um chamamento épico, uma força visceral a puxá-lo para o seio da Igreja. Fora um caminho sereno o que percorrera até decidir entrar para a vida austera de serviço ao Altíssimo. Não quisera fugir a nada, nem de ninguém. Quisera sim correr na direcção da fé e fizera-o sem medo.
E agora ali estava ele, prestes a entrar na vida activa de um padre, comovido até aos ossos, portador da credulidade dos que acabaram de se iniciar.
Acedera ao pedido do Bispo de Coimbra sem perguntas. O anterior Vigário de S.Vicente da Lua suicidara-se e o escândalo em torno daquela morte pecadora levou a que a Paróquia estivesse sem regente durante largos anos. O seu querido amigo e Bispo confiara nele, um jovem padre, a nobre missão de retomar as actividades da Santa Madre Igreja na aldeia.
Um ruído desviou Alberto do rumo dos seus pensamentos. As folhas de Outono sob os seus pés levantaram-se como que movidas por uma brisa invisível e formaram uma espécie de caminho esvoaçante sobre o seu olhar atónito. Podia jurar que sentia uma mão quente a pressionar-lhe as costas na direcção que as folhas indicavam e uma voz suave no seu ouvido que lhe dizia: Vai!
Apertou a bíblia com toda a força na palma da mão e rezou enquanto caminhava na direcção de um ruído. À medida que as folhas iam caindo sem vida sobre o chão húmido de Outubro, o som foi ficando mais claro, até ser impossível não perceber que um homem e uma mulher se amavam escondidos entre as árvores da floresta.
Quis virar costas e retomar o caminho da aldeia, mas a mão invisível aprisionava-o ao chão e a voz segredava-lhe: “Vê! Vê com os teus próprios olhos o que perdeste Alberto”.
As árvores que cobriam os jovens amantes afastaram-se como que por encantamento, deixando-os desnudos ao azulado e terno olhar do vigário.
Ele cobria de beijos o corpo quase transparente dela, com uma dedicação que só empreende quem ama. Ela gemia baixinho sob os seus lábios, como que transportada ao mais belo dos lugares. Enquanto entrava suavemente dentro daquela bela mulher ele entoava palavras de amor, como se lhe cantasse ao ouvido, para serenar o que não precisava de conforto, para adocicar o que já de si parecia tão doce. Alberto estremeceu, não de luxúria, mas de encantamento por tamanho amor.
- Amo-te Joana, vou ser sempre teu, para sempre teu.
- Também te amo Júlio, fica comigo…
O Vigário forçou-se a contrariar a mão que o mantinha preso naquela contemplação, usando para isso todo o fervor da sua fé:
- Deixa um homem de Deus continuar o seu caminho, nada tenho a fazer aqui – Sussurrou.
- “Vê o que perdeste padre! Olha-os uma última vez”
A voz era assexuada, indefinida, perigosamente tentadora, mas Alberto levantou o crucifixo que lhe pendia do pescoço bem alto e rezou com quantas forças tinha, estugando o passo colina abaixo. Um único pensamento lhe movia os sentidos: Sair da floresta, chegar o mais depressa que conseguisse ao abrigo da casa de Deus e reflectir sobre o que acabara de acontecer...
Há quem goste delas curtas, há quem as aprecie mais longas, mas para nós o tamanho não importa, uma história merece sempre ser contada.
segunda-feira, 19 de outubro de 2009
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5 comentários:
Ora com que então o Padre Alberto!!
Parece que encontramos a nossa primeira personagem. E como me lembrei da história de Gina neste episódio!!
Michael agora que falas nisso :)
E tens lá mais duas personagens: O Inspector da PJ e Joana,o seu amor perdido.
Melissa mais valia teres comentado depois de leres tudo vinte vezes. Não está assim tão confuso... Ou está?
Pensei em voz alta, que é como quem diz pensei em forma de comment.
:)
um pouco de amor para aquecer a alma no meio de tanto frio.
muito bem Ana
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