Há quem goste delas curtas, há quem as aprecie mais longas, mas para nós o tamanho não importa, uma história merece sempre ser contada.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Do Outro Lado da Mira - Insegurança


À medida que o avião deixava para trás Lisboa, juntamente com a sua vida incógnita na capital. João começou finalmente a descomprimir, como se a altitude de alguma forma o ajudasse a deixar em terra todos os sentimentos de culpa que começavam lentamente a assaltá-lo.
Tirou a fotografia de Ana do envelope de papel pardo e olhou mais uma vez a mulher morena, de olhar esverdeado e fundo, que parecia falar com ele através da imagem.
Pela pesquisa rápida que fizera, o tal quadro de Modigliani que se encontrava na sua posse havia estado exposto na National Galery of Art em Washington D.C.
Fora gentilmente cedido por ela a pedido da galeria, mas passados 10 anos ela decidira levá-lo de novo para a cidade que o vira nascer como artista, Paris.
Respirou fundo e olhou as restantes indicações na sua agenda. Galeria de Arte na Rue du Bac. Era aí que o quadro estava agora exposto, juntamente com toda a colecção privada daquela mulher de olhar misterioso.
Porque é que simplesmente não tentavam subtrair o quadro? Porquê matar a dona do mesmo? Subitamente tudo lhe parecia demasiado frívolo. Matar alguém por causa de um quadro?
Ele nunca se debruçara sobre os motivos por detrás das ordens que recebia, mas desta vez experimentava uma sensação nova. Era como se a sua consciência começasse a despertar de um sono profundo. As palmas das mãos suadas denunciavam a insegurança, a boca seca revelava a falta de palavras que justificassem o que estava prestes a fazer com aquela mulher.
Desapertou o botão do colarinho e fechou os olhos, tentando recuperar a sua velha frieza.
- Sente-se bem? – Aquela voz suave fez com que abrisse de novo os olhos e quando o fez percebeu que tinha à sua frente, de pé no corredor do avião, uma mulher de cerca de 40 anos, olhar esverdeado e seguro, cabelos morenos.
- Medo de voar, apenas isso. – A voz saiu-lhe com a sua fiel firmeza, assumindo um tom neutro.
Ela sorriu-lhe e seguiu caminho até ao seu lugar.
Ele inspirou e expirou, inspirou e expirou numa tentativa vã de controlar o seu estado de ansiedade. Quais seriam as probabilidades de viajar no mesmo avião que a mulher que teria que assassinar?

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Do outro lado da mira: Ana.

Baixou-se calmamente e apanhou o envelope. Olhou para Leonor que ficou muda. A sua pele estava ainda mais branca do que era o normal, o olhar perdido mas com laivos de desafio. Sem nada dizer, João colocou o envelope na sua gaveta original, fechou-a e retirou a chave. Leonor sentia a dureza do seu olhar enquanto colocava a gravata, vestia o casaco e se retirava. Estremeceu com o bater da porta, bater esse que a fez estremecer e sair do transe em que estava mergulhada.
João entrou no seu carro preto, descaracterizado, de vidros fumados e sem sinais particularmente distintivos. Ligou o sistema de comunicações do carro e ouviu-se o sinal de um telefone que tocava algures. Do outro lado uma voz feminina, intensa e cheia de personalidade, respondeu: "João, meu querido!! Muitos parabéns, a ultima missão foi um sucesso! O cliente ficou muito satisfeito. Mais uma vez encontrarás os teus honorários na conta designada. Está tudo bem contigo?" Esta última frase vinha cheia de segundas intenções, levemente provocadora.
"Deixe-se de tretas Chefe... recebi a foto do próximo alvo. Uma mulher? Não é muito comum... qual é a história?"
"Ah... sim! Ana... Ana Casaco. É uma especialista e coleccionadora de arte, principalmente quadros. O nosso cliente deseja uma peça que está na sua posse mas ela está renitente. Uma obra de Modigliani... mas enfim, não interessa. O que interessa é que o nosso cliente não está nada satisfeito com o comportamento dessa senhora e deseja que ela desapareça."
"Assim? Quer vê-la morta por causa de um quadro??"
"Bom... esse quadro vale muito dinheiro e o nosso cliente gosta de dinheiro..."
"Não quero saber. As coisas estão prontas?"
"Encontrarás tudo o que precisas no banco. Quando foi a última vez que estiveste em Paris?"
"Adeus." João desligou o telefone.
Estacionou o carro em frente ao Banco. Um empregado levou o carro para as entranhas do prédio. Era um prédio enorme, secular, na baixa, rodeado de monumentos. Tinha um ar austero e inacessível mas estava impecavelmente limpo o que o destacava do negrume dos prédios públicos que o rodeavam. A entrada imponente dava acesso a um enorme átrio com um chão de mármore imaculado mas vazio. Os passos ecoavam pelo espaço percorrendo as enormes colunas trabalhadas até ficarem aprisionados nas abóbadas do tecto decorado com pinturas de temas renascentistas. Ao fundo, um empregado fardado com um uniforme carmesim recebeu João com um caloroso "Bom dia Dr.!" a que ele respondeu com um sorriso e um ligeiro aceno com a cabeça. Entrou no elevador e saiu no último andar, um andar de acesso restrito onde só ele trabalhava. Tirou o casaco e desapertou a gravata. Em cima da secretária um envelope. Saiu para o enorme terraço e sentou-se á mesa enquanto um empregado lhe trazia o seu pequeno almoço. Esperou que ele saísse e abriu o envelope. Um bilhete de avião para o aeroporto Charles de Gaulle, só de ida, um passaporte e uma foto de Ana. A sua missão estava lançada mas uma coisa o intrigava: quem era Sérgio Andrade? A agência não encontrara nada acerca deste nome.