Há quem goste delas curtas, há quem as aprecie mais longas, mas para nós o tamanho não importa, uma história merece sempre ser contada.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Do Outro Lado da Mira - Na Escuridão de um Olhar

Enquanto os lábios de “Marie” exploravam o interior da sua boca, pequenos alertas começaram a soar dentro de si. Os velhos sinais que sempre o haviam protegido em cenário de guerra e tantas vezes nas suas missões enquanto assassino a soldo, soavam agora mais fortes do que nunca, retesando-lhe os músculos, colocando-o num estado de hiper vigilância e num impulso que não conseguiu conter, afastou de si a mulher que tentava seduzi-lo, levantando-se com uma violência tal que a projectou a ela e à própria mesa pelos ares. Mas estranhamente não ouviu o ruído das garrafas a quebrarem-se, nem tão pouco sentiu o cheiro do vinho derramado.
O olhar turvo, a boca seca, a cabeça tonta indicavam-lhe que não estava no controle da situação e isso tirava-o do sério. Queria correr dali para fora, mas as pernas estavam presas, queria gritar, mas apenas um leve murmúrio se soltava da garganta enfraquecida. Esfregou os olhos raiados de sangue e quando voltou a abri-los já não estava lá ninguém. Encontrava-se sozinho na sala privada do restaurante. A mesa não estava caída no chão, não havia garrafas entornadas, nem o ruído das vozes femininas povoava o ar em seu redor, cada vez mais escasso. Sentia-se sufocar.
Queria juntar as peças do puzzle, raciocinar com clareza, mas antes de conseguir perceber o que lhe estava a acontecer caiu sem sentidos, inanimado no chão pegajoso do restaurante. O seu cérebro gritava ordens de comando ao corpo entorpecido, mas os músculos não lhe obedeciam.
Ouviu uma voz feminina suave que cuspia ordens de maneira firme e segura e sentiu quatro mãos que pegavam no seu corpo inerte, elevando-o no ar. O frio da rua penetrou nos seus pulmões como uma facada e o motor de um carro em funcionamento disse-lhe que alguém aguardava por eles. O som seco de uma mala a fechar catapultou-o para o que julgou ser a sua própria morte. Então morrer era assim? Mas que voz era aquela que continuava a escutar? Que ruído de fundo, que mãos lhe tocavam agora? Só podia ser uma qualquer entidade divina encarregue de o transportar nos braços até ao juízo final.

O som de uma peça para piano de Mozart puxou-o do sono profundo em que havia caído e quando conseguiu finalmente descerrar o olhar e despertar do que lhe parecera o seu próprio fim, uma mulher fitava-o. Cabelos cor de mel, olhar perdido no fundo da alma. Um olhar escuro, cheio de todos os mistérios femininos do mundo. Num flash cada vez mais consciente sentiu a mão de Ana no avião quando passou por ele e reviu na sua mente tudo o que tinha acontecido. O seu olhar demasiado treinado para se deixar enganar lembrou então a subtileza com que o alvo do seu próximo crime passara a mão sobre o seu copo de Whisky pousado na mesinha de refeição.
Mas antes de poder alinhavar as suas próprias conclusões olhou de volta o olhar que o fitava vindo de uma simples pintura e percebeu que estava na presença do famoso Modigliani. A mulher retratada pelo pintor que morrera na miséria estava no mesmo compartimento que ele, desafiando-o, tentando-o, mas ao mesmo tempo, enchendo-o da mais profunda paz. Quem quer que fosse aquela mulher ali pintada valia a pena lutar por ela, disso não restava a menor dúvida.
- A minha bisavó Francesca e antes que me pergunte sim. Fui eu que o dopei no avião.
João virou-se naquela cama improvisada sobre um sofá de veludo e ali estava ela mais uma vez, a mulher que teria que assassinar. Bonita, quase etérea, num olhar em tudo tão semelhante ao do quadro.

6 comentários:

Miguel disse...

Beeeem! Muito bem! E ainda bem que já não sou eu que sigo as tuas deixas!!
;)

Clementine Tangerina disse...

Concordo com o Miguel...ufffaa já me escapei...mas acho que não me vou escapar das da Melissinha!! ;)
Gostei!

Ana C. disse...

Miguel a história das 3 mulheres só podia ser uma alucinação ;)
Confessa que já sentes saudades de agarrar nas minhas deixas.
Para a próxima história rodamos.

Ana C. disse...

Clementine espero que a Melissa te cozinhe uma bota bastante dificil de descalçar. Assim é que tem piada ;)

Miguel disse...

Ana, bem no fundo de mim esperava que continuasses a descrição do sexo a três. Mas já conheço a tua forma de escrever bem demais para realmente acreditar nisso!!! Sabia que ias arranjar maneira de te safar dessa!
Melissa... aguardamos!

Clementine Tangerina disse...

Ana, sim é verdade as botas dificeis é que são boas...! Vou estar ausente no fim de semana por isso melissinha sinta-se à vontade para demorar ;)