António respeitava as lágrimas de Helena com um silêncio solene, por isso o som do motor do Alfa Romeo desportivo era a única coisa entre eles. A estrada do Guincho, escura e agreste como sempre, lembrava-os que eram simples personagens no jogo do mundo.
- Pensamos que conhecemos alguém por dentro e por fora só para descobrirmos que ninguém conhece ninguém de verdade. As pessoas revelam-se sempre, mesmo aquelas que mais amamos. – A sua mão trémula limpa o rosto molhado, numa tentativa vã para deixar de chorar.
António limita-se a pousar uma mão sobre os cabelos de Helena, num gesto que não perdera mesmo passados tantos anos. Como é que ela se esquecera daquele homem com tanta facilidade? Como é que pudera apagar 3 anos de um relacionamento tão sereno, apenas porque Rodrigo surgira na sua vida?
António sempre fora um estudante brilhante, um namorado dedicado, fiel, meigo. Fora o primeiro homem a quem se entregara e jamais se arrependera disso por um único instante. Por isso ao olhá-lo agora, já com os cabelos salpicados de cinzento, o olhar preso na estrada, aquela mão gentil nos seus cabelos, pensou no rumo que a sua vida teria tomado se tivesse ficado ao lado dele.
- Fala-me de ti António, por favor. Faz-me esquecer da minha própria vida nem que seja só por um minuto.
António sorri.
- A minha vida não é propriamente a coisa mais excitante do mundo, mas se me queres ouvir falar…
- Por favor fala, ajuda-me a esvaziar a cabeça.… - A voz dela era uma súplica.
- A minha vida seguiu um rumo certinho, sem desvios. Acabei o curso com média de 18. Estive uns anos em Londres a exercer, fui convidado a ficar por lá. Mas decidi que fazia mais falta aqui, por isso voltei há cerca de 2 anos. Ontem estava num congresso estúpido quando decidi ir apanhar um bocadinho de ar. Foi aí que te vi sentada no passeio. Até para um homem de ciência como eu é difícil não acreditar no destino quando estas coisas acontecem.
Helena sorri.
- Sempre foste tão céptico em relação a tudo isso...
- Menos em relação a ti. Sempre tive a certeza absoluta que um amor assim só se encontra uma vez na vida.
Helena podia ter ficado incomodada, mas ouvi-lo falar do amor que sentira por ela parecia a coisa mais natural do mundo.
- Eu tenho uma teoria bastante científica acerca do assunto.
- Morro de curiosidade.
- Há alguém destinado para ti no planeta terra. Alguém a quem a força da gravidade, da atracção, do que lhe quiseres chamar, é impelido na tua direcção. Pode demorar anos até que essa pessoa se cruze no teu caminho. Muitas pessoas se perdem umas das outras, pois não estão atentas e essa distracção pode custar-lhes bem caro. Mas eu sempre fui uma pessoa focada. Quando te vi entendi logo que eras a minha companheira de viagem. Tu não me viste como eu te vi. Mas nunca desisti de ti Helena, pois sabia que muitas vezes temos que perder alguém para o encontrar. E que tu tinhas que me perder para me reencontrares. Simples, não é?
Como é que alguém podia amar outra pessoa independentemente de tudo? Não perder a fé, mesmo quando o outro partia noutra direcção? Como é que alguém podia manter-se firme num amor que tinha apenas um lado? Helena não sabia a resposta. A única certeza que tinha era que se existia alguém capaz de um sentimento assim, esse alguém era António.
- Estás consciente de que amo o Rodrigo? Apesar de poder ser o homem mais errado para mim, é a ele que amo?
António sorri, encosta o carro junto à praia e desliga o motor barulhento. Vira-se e encara Helena com um sorriso.
- Eu sei esperar Helena. E por um grande amor espera-se sempre.
Helena abana a cabeça, incrédula.
- Chegas a assustar-me.
António acaricia o rosto dela. O toque da mão dele na sua pele não a deixa indiferente, mas é Rodrigo quem lhe assoma à mente, por isso segura na mão daquele homem ao seu lado, como se o travasse.
- Eu sei que te magoei muito quando terminei tudo entre nós. Não quero voltar a magoar-te António. Não mereces…
António respira fundo e muda o rumo daquilo em que pensa.
- O que é que tencionas fazer Helena? Tens um marido violento, que te insulta, te maltrata numa altura em que mais precisavas dele. Tencionas voltar a correr para os braços de alguém que te deixa tão infeliz?
Helena desvia o olhar, fita aquele mar revolto na esperança de encontrar algum tipo de resposta.
- Agora que te reencontrei não tenciono perder-te. – António nunca dizia o que não sentia, desta vez não era diferente.
- Leva-me para casa António. Eu vou ter uma última conversa com o Rodrigo.
- Levo-te a casa com uma condição. Deixares-me subir contigo. Se o teu marido ainda estiver com aquele olhar enlouquecido, não tenciono deixar-te sozinha com ele.
- Como queiras.
O sol levantava-se no horizonte, aquecendo-os na viagem de volta. Muito pouca coisa foi dita entre eles. António pousou a sua mão na mão dela na maior parte do tempo e Helena deixou-a ficar, sem a menor pressa de chegar a casa.
Os dois entraram no apartamento abafado. Um cheiro a tabaco e a álcool pairava no ar. António abriu caminho pela casa. Helena atrás dele com o coração nas mãos, um sentimento de angústia avassalador, como se alguma coisa terrível estivesse prestes a acontecer. Por isso quando entraram na cozinha e viram Rodrigo estendido no chão, Helena de alguma forma sentia que seria isso mesmo que encontraria quando chegasse a casa. Tudo à sua volta se desfocou, por isso nem viu bem António que caiu de joelhos no chão ao lado de Rodrigo, tomando-lhe o pulso, vendo-lhe os olhos, gritando qualquer coisa para o seu telemóvel. Era como se tivesse acabado de sair do seu próprio corpo e tudo o que se passava agora fosse exterior a ela.
Há quem goste delas curtas, há quem as aprecie mais longas, mas para nós o tamanho não importa, uma história merece sempre ser contada.
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14 comentários:
Esta agora!!! Lá vai o Rodrigo para o hospital outra vez!!! Desgraçado do homem...
Safa-se? Hmmm, vamos ver...
Sabes que as partes de hospital são o teu departamento. Tenho a certeza que o Rodrigo vai ser bem tratado desta vez ;)
Sempre a envolver-nos no amor, não é Ana?
E é tão bom.
banita, o que seria de nós sem amor? Ele está em todo o lado mesmo :)
Gostei particularmente do pormenor da marca do carro: Alfa Romeo! Italiano, previligia o design, elitista, exclusivo...
Penso que diz muito acerca do António!
Miguel ora ainda bem que pensas assim, é que eu já tive 2 Alfa Romeos na minha vida, é a minha marca de eleição. Cuore Sportivo.
Isto antes de ser mãe de família e mudar para uma Vectra que mais parece um tgv, mas que tem sido de uma fidelidade e capacidade de carga sem limites :)
Será que o Rodrigo está mesmo mal ou apenas bebeu demais? Cabe ao Miguel C., decidir na realidade o que é que o homem tem. Maluco acho que está. Não percam os próximos episódios.
Mariinha nem tudo é o que aparenta ser. É o que te posso adiantar... Quanto ao resto concordo, não percam os próximos episódios.
Oh pa... Oh pa... Eu volto-me a repetir, mas eu nao acredito!!!!
Oh Ana!!!!!!! Isto não se faz!!!! Vem uma pessoa, depois e uma hora e tal de trânsito, a pensar descontrair e depara-se com um texto fantástico destes!!!!
Só tenho uma palavra: ESPECTACULAR!
Beijinhos
Hum...o Rodrigo tem uma doença rara e tudo não passa de alucinações.
O homem ainda não acordou.
(Isto sou eu a pensar na volta que vão dar ao dito)...é que já não se aguenta gajo assim ;)
PS-A escrita é brilhante como sempre, e o gozo de quem escreve, é 'ver' os que seguem a história ás aranhas com a volta dos acontecimentos, é isso não é Ana? :)
L agora até fiquei encavacada. Fico feliz por sermos o teu momento de descontracção pós-trânsito :)
Carla concordo contigo. Este gajo já não se aguenta. Vamos lá a ver se o Miguel também pensa assim. Confesso que é muito giro ver as especulações em volta do rumo da história sim, tens razão ;)
A Carla tem muita razão! O que mais gozo me dá é ver as reacções de quem lê os textos!! Quanto ao Rodrigo... o gajo é uma besta!! Ou não?...
Agradeço os elogios, na verdade nunca tinha escrito nada deste género (bom, nunca tinha escrito para um público!!) Obrigado! É isso que me faz continuar!
A todas: obrigado por seguirem a nossa história!! Vocês é que são espectaculares!
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