Rodrigo caminhava vagarosamente pelas ruas agitadas da cidade. Era agora um homem mudado. Mais calmo, mais atento aos pormenores, mais simples, menos preocupado com a opinião dos outros. A descoberta trágica que tinha um tumor no cérebro, a perda do controlo do seu próprio corpo, a incapacidade de se expressar tornaram claro o que era mais importante na vida. Contudo, caminhava vergado por um peso invisível, o peso da vergonha. Para ele o mais importante eram Helena e o seu filho. Envergonhava-se profundamente pela dor que causara a Helena e pela dor que ele sabia ir causar ao seu filho, por não estar presente. Por muito que pensasse para ele próprio que todo o ódio que sentiu por Helena enquanto esteve doente, se tinha devido ao tumor, isso não o aliviava. Sabia que não tinha sido esse ódio que o tinha empurrado para os braços de Diana.
Revia os momentos intensos passados com Diana com sofrimento. Reviver aquelas emoções, aquele prazer, aqueles gritos, beijos e arranhões ainda o revoltavam mais. Não sentia nada por Diana, o prazer era carnal, apenas, sexo puro e duro. Tinha traído Helena por nada. Eram apenas colegas de trabalho. Tinham trocado alguns piropos pouco inocentes e Rodrigo não deixara de se imaginar na cama com aquela mulher mas nunca pensara que ela fosse capaz de se entregar daquela maneira. Debaixo daquele aspecto profissional, educado e circunstancial escondia-se uma predadora. Rebobinava as memórias e via Diana nua, pela primeira vez, no seu chuveiro. Sentia a pele dela na sua. Depois no escritório, as pernas esguias e sedosas tentando envolvê-lo como de de um polvo se tratasse, os olhos nos olhos, a língua sibilante. A primeira vez na sua cama, os seios firmes, as coxas quentes, as unhas nas costas, o melhor orgasmo que alguma vez experimentara. No dia em que Helena saiu de casa com António, sexo animal, furioso, intenso. Experimentara com aquela mulher a parte mais primitiva da sua própria sexualidade, o toque dela parecia queimar sempre, parecia que cada toque seu era como uma tatuagem cuja tinta não se vê, mas que a dor, fina, volta á simples lembrança do desenho da tatuagem.
Passaram duas semanas desde que Helena o deixara. Não tentara ligar-lhe, não saberia o que dizer. Sabia que antes de enfrentar Helena teria de enfrentar Diana e vencer o desejo que sentira por ela. Sim, sentira, no passado. Hoje, Diana era significado de sofrimento e, nas suas entranhas sabia que não seria capaz de estar de novo com ela. Sentia-se um cobarde por não ter sido ainda capaz de a confrontar mas pensou que, se sempre fora dela a iniciativa de o procurar nos momentos em que ele se encontrava mais frágil, seria dela o próximo passo. Estranhou o facto de ela ainda não o ter procurado. Com Helena fora do caminho... No escritório, Diana mantinha a mesma pose de sempre: profissional, competente, cordial, educada. Mantinha sempre os homens a uma distância segura, respondendo elegantemente mas sem deixar margem para para dúvidas aos avanços, mais ou menos subtis, dos homens. Cultivara uma imagem de mulher bela, apetecível mas inacessível. Não se lhe conheciam namorados, não falava da sua vida privada, não tinha amigos no escritório. Entrava a horas, saía a horas. Nada de copos após o serviço "para descontrair". Depois do choque inicial, aquela mulher esbelta era respeitada. Mas Rodrigo conhecia a verdadeira Diana.
Rodrigo sentia que Diana o evitava. Saía da sala mal ele entrava, desviava o olhar, sentava-se no lado oposto a ele na sala de reuniões e, acima de tudo, evitava ficar sozinha com ele. Inicialmente, Rodrigo achou que seria apenas estratégia. Uma espécie de jogo do rato e do gato, predador e presa que Diana teria iniciado para depois terminar na cama. O facto de ela assumir o papel da presa, desta vez, intrigou-o. Contudo tinha já desistido de a compreender. Passaram-se dias.
Rodrigo estava farto daquele jogo que o enfadava cada vez mais. Pensou em Helena e tomou uma decisão: falaria com Diana naquele dia. Seguia subrepticiamente e encurralou-a na sala do café. Entrou e fechou a porta, trancando-a. O que tinha para dizer era demasiado importante para ser interrompido. Diana estremeceu quando a porta fechou e encarou Rodrigo.
"Rodrigo... bom... estás bem? Quer dizer... da cirurgia e isso" estava visivelmente pouco à vontade, encostada à bancada do lava-loiça e puxando sistematicamente a saia curta até aos joelhos.
"Temos de falar." Rodrigo estava decidido.
"Sim... pois temos..."
"E porque estás com esse ar assustado? Não me convences."
"Rodrigo... quero que a nossa relação, a partir de agora, seja estritamente profissional." disse, um pouco a medo da reacção de Rodrigo.
"Sim... isso também eu! Mas antes quero esclarecer algumas coisas. Porque raio é que me escolheste a mim?"
"Porque me disseram que eras o melhor aqui da firma."
"Sim, o melhor... e quem te disse isso? Quem poderia saber isso?"
"Bom, Rodrigo, a tua fama precede-te."
"Mas estás louca???"
"Não. Escolhi esta empresa apenas para poder estar contigo."
"És mais cabra do que eu imaginava... premeditas-te tudo, não foi?"
Diana estava visivelmente confusa com o rumo que a conversa estava a tomar e mudou de assunto.
"Acerca do que se passou em tua casa..."
"É exactamente acerca disso que quero falar contigo..."
"Não sei que mensagem errada eu te passei... mas, por favor, nunca mais me tentes beijar. Não serei tão tolerante da próxima vez."
Ah, Ah, Ah, Ah!!! Rodrigo ria descaradamente.
"Beijo?? Estás assim por causa daquele beijo que recusaste??? Impressionante..." Avança para Diana e agarra-a, tentando beijá-la. Diana afasta-se rapidamente e agride-o violentamente com um estalo na face. Rodrigo para subitamente, surpreendido com aquela reacção.
"O quê? Em minha casa, na cama da minha mulher, pode ser. no meu escritório pode ser, no hospital tudo bem, ficas excitada mas a sala do café é território proibido? Por favor..."
Diana estava ofegante, o coração acelerado. Agarrou um prato e estava disposta a parti-lo na cabeça de Rodrigo se ele avançasse novamente.
"Estás a falar de quê???!!" Disse, visivelmente alterada, desalinhada
"Ora Diana, poupa-me!! Acabaste de dizer que eu sou o melhor.."
"ADVOGADO Rodrigo!! O que se passa contigo??"
"COMIGO?!?!? O que se passa comigo?? Quem é que se enfiou no duche comigo, quem é que me desapertou a braguilha no meu escritório? Não foste tu que me proporcionaste a melhor foda da minha vida? Não foste tu que sentiste toda a minha virilidade? E gemeste de prazer sua cabra!! Sempre te excitaste com o proibido e agora essa cena de virgem ofendida?!! Por favor!"
"ESTÁS LOUCO???!! Eu NUNCA fiz nada disso que dizes. NUNCA!! Na tua cama? A única vez que estive em tua casa foi no dia em que fizeste aquela cena lamentável com a tua mulher ali ao pé... a tentar beijar-me... ÉS UM PORCO, OUVISTE? UM PORCO!! Seria incapaz de me deitar com um homem que trata assim a sua própria mulher... ela que tratou tão bem de ti durante estes meses."
Rodrigo estava mudo. Petrificado perante aquela revelação. Perdeu as forças e ajoelhou-se no chão.
"Não pode ser... mentes com quantos dentes tens... eu senti, eu senti-te... a tua pele, as tuas mãos, a tua língua, todo o teu interior... eu tive prazer, orgasmos... "
Diana baixou a sua guarda perante aquele farrapo que tinha aos seus pés.
"Nunca Rodrigo... isso nunca aconteceu. Dizes que estive contigo no dia em que me beijaste? Estive numa reunião com clientes toda a tarde, posso comprová-lo. Contigo no duche, em tua casa?? Como entraria eu em tua casa? No hospital, no dia após teres desmaiado e seres levado para o hospital? Nem estava na cidade... Lamento Rodrigo... não era eu." Saiu, deixando Rodrigo a chorar, rendido ao caos que governava a sua mente.
"Mas como.... como???" A sua mente trabalhava desordenadamente á procura de uma resposta. Até que... Levantou-se e dirigiu-se a um computador. Lembrava-se de uma pesquisa que tinha feito após a cirurgia, acerca do tumor.
"Tumor no sistema límbico" digitou na página do Google. Reconheceu o título do artigo que tinha já consultado. "Anatomia... patologia... diagnóstico... cá está, sinais e sintomas... cefaleias, humor depressivo, alterações da visão, agressividade e.... ALUCINAÇÕES!!!!" Rodrigo estava siderado. Poderia ser? Digitou "alucinações" no motor de busca e obteve "alterações na percepção da realidade que podem ser visuais, auditivas e tácteis. Certas doenças, como alguns tumores do cérebro, podem causar alucinações tão reais que o paciente acredita que vive, de facto, aquela situação. Pode confundir-se com esquizofrenia". Rodrigo tremia. Sentou-se. Riso. Primeiro leve, reprimido, envergonhado e depois mais solto, mais livre até se tornar ruidoso e histérico. Alucinações!!! Ele nunca tinha traído Helena!! Ele amava-a e agora não tinha dúvidas!!
Pegou no telemóvel e marcou um número. Do outro lado atendeu António.
"Rodrigo? Está tudo bem?"
"Ouve António, o tumor que me arrancaste? Podia ter-me causado alucinações?"
"Bem... claro. é típico... mas... tiveste alucinações? Nunca referiste nada!"
"António" Rodrigo estava mais calmo do que nunca "Onde está Helena?"
"Rodrigo... sabes que não posso...."
"Onde, António?" O seu tom de voz saiu calmo mas forte e António percebeu que não devia contrariar Rodrigo.
"Acaba de sair para o Hospital... última consulta antes do parto."
Rodrigo desligou e correu. Esqueceu as dores, as limitações, as recomendações do fisioterapeuta. Correu e, pela primeira vez em muitos dias, o seu coração estava cheio de felicidade, amor e... esperança.
8 comentários:
Muito bem Miguel!! Palmas, palmas!!
A Diana afinal não era uma vaca e o Rodrigo não era um porco. Houve muitos julgamentos precipitados, mas agora que se repôs a verdade, percebemos como por vezes as coisas não são o que parecem ser.
Parabéns por este grande episódio!
Sim Ana... de facto este episódio foi o grande... o mais comprido que já escrevi!!!
Obrigado!
Adorei!!! Parabéns Miguel, está memos bom!
Ana C. Agora é a tua vez :) fico à espera. Será que a Helena o vai perdoar?! O que acontecerá a António?!
L., obrigado!
Agora já podem parar de bater no homem!! Afinal ele até é bom rapazito...
Clap! Clap! Clap!
Até fico zonza de sentimentos contraditórios.LOL
Ora acho o homem um crápula, ora o acho uma vitíma da doença.
Agora sai uma santinha chamada Diana só porque vocês gostam é de baralhar a malta :)
Só falta a má da fita ser a Helena que afinal até está grávida do António...ahahah
Miguel, vá 'mazé' ter com o tio Moniz que ele deve ter lugar para si.
Não vejo novelas, mas tenho uma 'fezada' que o homem anda a precisar de alguém com ideias frescas :)
E pode ir de bata e socas que até dá mais realismo á 'coisa'.
Aguardam-se novos episódios...
Carla, obrigado! Mas o departamento da escrita técnica e profissional de novelas é da Ana!!!
Eu fico-me pelas picas!!!
Miguel C.
Gostei muito deste episódio. Eu tinha a certeza que o homem não estava bem. Foi tudo fruto da sua imaginação.Muito bom mesmo. Parabéns
Oh Ana?! Então o próximo capítulo?!
beijinhos :)
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