João acordou a meio da noite. A pele suada e fria, as mão tremendo e o coração a bater. Saiu da cama devagar, não queria acordar a mulher que dormia com ele naquela noite. Precisava de beber água e dirigiu-se ao frigorífico. Não era capaz de beber água que não fosse gelada. A garganta seca exigia-o. Enquanto enchia lentamente o copo, a sua mente fazia-o reviver o que se tinha passado umas horas antes. A respiração ofegante, a adrenalina de perseguição, o braço esticado empunhando a pistola, o coração a bater lentamente, o premir do gatilho exactamente num espaço entre dois batimentos cardíacos, o barulho abafado do tiro, o sangue projectado contra a parede, o morto com a cabeça estilhaçada. "Até parece que é a primeira vez que o fazes..." pensou de si para si. Já não consegui lembrar-se de quantos "clientes" tinha despachado, mas também não era importante. Fazia o trabalho, era bem pago, nunca seria apanhado.
Não conseguia dormir, por isso foi para a sala ver televisão. Acendeu as luzes com um bater de palmas. Vivia numa casa grande, com todos os luxos mas essencialmente prática. Ligou o enorme ecrã LCD e afundou-se no sofá branco de genuína pele, design italiano. Nada de novo nas notícias. A crise, o desemprego, os crimes dos multibancos, um homicídio, um corpo nas ruas. Os seus lábios desenharam um sorriso misto de orgulho e escárnio. Nada sobre o seu trabalho. Resolveu que precisava de dormir. Apagou a televisão e foi até ao pequeno ginásio. O exercício ajudava-o a relaxar e logo, a adormecer. O seu tronco era bem trabalhado, os abdominais definidos, o peito firme de ombros largos e braços robustos. Contudo havia várias cicatrizes que revelavam a dureza da sua linha de trabalho. Uma cicatriz grande e linear que começava junto ao umbigo e terminava quase junto à coluna denunciava uma intervenção cirúrgica demorada e que, provavelmente o colocara em risco de vida, como aliás o devia ter feito a situação que levou a essa intervenção. Depois havia sinais de lesões por balas e arma branca. Correu uns largos minutos no tapete e passou para os abdominais. A sua cabeça continuava povoada com as imagens do seu último trabalho. Afundado nos seus pensamentos, não se apercebeu da mulher que entrara no ginásio. Estava completamente nua e sorria "Se querias gastar energias, há outras maneiras de o fazer... juntos!". Ele levantou-se e disse-lhe secamente "Por favor... vou tomar um banho." Enquanto o via percorrer o corredor ela não conteve um comentário em voz baixa: "Mas porque raio precisa um gerente bancário de tanto exercício?".
4 comentários:
Hum... Como será que a Ana se vai safar desta?
Estou curiosa.
PS - Pedido à gerência, será possivel alterar esta caixa de comentários? é que não sei porquê tenho muita dificuldade em comentar com esta opção.
Desde já muito agradecida. :P
Miguel sim senhor não há nada como uma boa vida dupla para aguçar a curiosidade :) Gostei!
L como raio é que mudo a caixa dos comentários. Adorava ajudar, mas não é preciso mudar o formato todo do blog?
L experimenta entrar já com o teu login feito... às vezes resulta!
Vamos lá ver o que anda o joão a fazer fora da hora do expediente e porquê...
Gostei Miguel!
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