- Vista isto. Não sei se é o seu número, mas não importa. A vaidade é um dos disfarces do demónio.
Gina abre os olhos e vê a túnica que Constança lhe atirara. Bastou-lhe um olhar para perceber que está nua. Olha à volta. Aquela cama de dorsal alto, a lareira, a pele de leão que repousa sobre o chão. Não está no quarto que lhe foi atribuído.
- Mas o que... O que estou a fazer aqui? Como vim cá parar?
Vê Constança. Traz uma farda preta com colarinho e punhos brancos, e o cabelo preso atrás num coque apertado. O seu olhar é de puro esgar.
- Como todas as outras antes de si.
Vira-se para sair, mas ainda diz:
- O Senhor gosta do desjejum servido às sete em ponto. Nem um minuto a mais, nem um minuto a menos.
A porta fecha-se. Gina cerra os olhos, constrangida... terá acontecido outra vez? Lembra-se de alguns flashes da noite anterior.
Chamas. Fogo.
O corpo de um homem maduro e experiente. Os seus lábios que se tocam e se fundem num só pecado compartilhado. A sua intimidade que é profanada com vigor. A memória arranca de si um grito de susto e benze-se, caindo de joelhos ao pé da cama, sobre a pele de leão, ainda nua como veio ao mundo.
Laura. Foi Laura mais uma vez.
- Senhor Meu Pai, lavai-me dos meus pecados, lavai-me dos meus pecados...
Gina chora convulsivamente.
- O senhor é meu Pastor, nada me faltará... Em verdes prados Ele faz-me repousar...
Conduz-me junto às águas refrescantes, restaura as forças da minha alma...
Não consegue concentrar-se.
- Foi Laura! Foi Laura! Senhor, protegei-me, Senhor, protegei-me desse súcubo que de mim se apodera...!
Volta a fechar os olhos, em prece frenética.
- Pelos caminhos rectos Ele leva-me...
Sente um toque em sua mão. Um objecto. É o seu rosário. Sobre ele, uma mão masculina. Não se vira.
Aquela figura ajoelha-se encaixando o quadril nu de Gina ao seu próprio, enlaçando-a pela cintura. Sussurra-lhe um murmúrio quente.
- Eu rezo consigo.
O calor... Ela conhece aquele calor. Engole em seco.
É o calor de Laura a chegar.
- Pode ser que assim Deus nos perdoe a ambos, - continua o murmúrio morno por trás da sua orelha.
Gina assente, sem nada dizer. O fervor daquele momento de fé a dois suplantará a luxúria de Laura, que a invade. Concentra-se.
- Pelos caminhos rectos Ele leva-me...
- Por amor de Seu nome, - completa o murmúrio.
- Por amor de Seu nome... – Gina repete, como se por algum passe de magia o salmo que recitava sempre que era invadida por Laura lhe tivesse sido varrido da memória. A sua concentração estava toda nas mãos que agora tinha a certeza serem da noite passada. Aquelas mãos perscrutavam-lhe o ventre, desciam pelas suas coxas em direcção ao fruto mais proibido.
- Eu rezo consigo, Gina.
Sente um leve toque húmido no seu lóbulo. Uma pequena mordidela. Um gemido. Arrepiando caminho pelas suas pernas, uma mão a invade, premindo com dedos firmes alvos certeiros que nem sonhava existirem.
- Ainda que eu atravesse o vale escuro, nada temerei... – murmura aquele homem, ou aquele anjo.
- ... Pois estais comigo!, - é quase um grito que lhe sai da alma.
Sente um volume crescente a fazer-lhe pressão sobre as nádegas e, num momento, já não há nada que separe o seu corpo do corpo do anjo que reza consigo. Não, desta vez Laura não vencerá. O que é a nudez se não algo divino, engana-se Gina. Nós chegamos nus ao mundo. Toda nudez é divina, convence-se. A masculinidade daquele anjo desconhecido encontra o caminho mágico para a levar para outra dimensão, e penetra-a num só fôlego. Ela fecha os olhos com força e já grita o seu salmo protector.
- Vosso bordão e Vosso báculo são o meu amparo!
E assim chegam as ondas de calor que lhe dizem que fora derrotada pela volúpia, pela mácula. A sua cabeça pende para trás e deixa-se banhar nos sucos daquele homem, na sua saliva, nos seus dentes, nos seus dedos exploradores, no seu sexo encantado. Deixa que Laura a invada sem qualquer obstáculo, mais uma vez.
- Oh, Thomas...
Neste momento, como se tivesse dito uma palavra mágica, tudo pára. As mãos largam-na. O homem põe-se de pé. Gina não ousa olhar ainda.
- O-obrigado por este momento, menina Gina.
A voz é imberbe, adolescente.
- Nunca me esquecerei deste momento e pode contar com a minha discrição. O meu padrasto nada saberá.
Passos firmes dirigem-se para a porta. Gina ainda se vira.
- Daniel!
Mas a porta já se fechou.
As memórias da noite anterior voltam a assombrá-la de outro ângulo.
Teria de arranjar uma forma de se livrar de Laura.
Não poderia dar-se ao luxo de perder mais um emprego.
E de mais uma casa sucumbir a um incêndio.
Aquele rasto de destruição e volúpia teriam de ter fim, nem que precisasse de se sacrificar a si própria no processo.
Olha para o relógio por cima da lareira. São 6h50m. Gina alcança rapidamente a túnica que lhe fora destinada, veste-se desajeitadamente e sai do quarto, correndo pelo corredor em direcção à cozinha.
Numa das curvas da casa, esbarra em Constança, que limpa uma salva de prata, mas não pára, continua a correr, como se de si própria fugisse.
- Já está muito atrasada, menina Laura. – diz-lhe Constança.
Mas Gina já não ouviu.
Há quem goste delas curtas, há quem as aprecie mais longas, mas para nós o tamanho não importa, uma história merece sempre ser contada.
domingo, 2 de agosto de 2009
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11 comentários:
Muito bom, de alta categoria mesmo.
Já não lia a palavra desjejum desde os pilares da terra :)
eu vou mas é arder no inferno de cabeça para baixo!
haha não é o hugo que vai, sou eu.
Acho que todos os meus episódios terão gente a f ao mesmo tempo que reza.
Melissa já viste um filme intitulado Freiras Preversas? Acho que ias gostar...
MUITO BOM!!! MUITO BOM!! Mas onde mais se encontram pérolas como "premindo com dedos firmes alvos certeiros que sonhava existirem" ou "vosso bordão e vosso báculo são o meu amparo"??
Prostro-me perante sua sabedoria, ensine-me Mestre!!
Uma rapidinha durante uma oração?? Isto é de profissional...
é a "Bríbria".
Mas o que gosto mais a cada episódio são mesmo as novas complicações e a antecipação de como as vão resolver!
Kudos Melissinha!!
Adoro estas personagens bipolares! Mas, como é que a Constança sabe?!!
O mistério é um caso sério!!
;)
Esse é um mistério para o autor que se segue!
Esta cena de ser uma verdadeira devassa e depois dizer: "Ah e tal, a Laura, é a porca da Laura..." é hilariante!
Espero ansiosamente pela continuação, que entre uma página e outra, sempre tenho tempo para vir refrescar a cabeça!
;)
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